Observatory on European Studies - CONVENÇÃO 190 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

2023-01-16

Vetor grátis ilustração estrita do conceito de chefe

Janice Bastos* e Marco Antônio César Villatore**

Com o objetivo de promover o trabalho decente, impulsionar a justiça social e assegurar a igualdade nas relações de labor, o centenário da Organização Internacional do Trabalho foi marcado pela aprovação, em 10 de junho de 2019, de um importante diploma normativo: a Convenção sobre a Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho - Convenção 190 da OIT.

Este diploma internacional foi inspirado em alicerces como as core obligations, que são as obrigações essenciais defendidas pela OIT, a saber: (a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; (c) a efetiva abolição do trabalho infantil e (d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

Convenção 190 da OIT trata, especificamente, da violência e do assédio como violação ou abuso de direitos que ameaçam a igualdade de oportunidades e sua incompatibilidade com o trabalho decente.

Na sequência, faz menção a outros instrumentos de contenção ao abuso de direitos como a  Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias, e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Trata, ainda, da responsabilidade dos Estados Membros signatários em promover um ambiente geral sem tolerância à violência e aos assédios, além de dispor que todos os que possam intervir no mundo do trabalho devam se abster, prevenir e combater a violência e o assédio.

Pontua,  no preâmbulo, consequências mais específicas da violência e do assédio no mundo do trabalho indicando que essas condutas afetam as saúdes psicológica, física e sexual das pessoas, a dignidade e o ambiente familiar e social, a qualidade dos serviços públicos e privados impedindo as pessoas, em particular as mulheres, de acederem, permanecerem e progredirem no mercado de trabalho, a organização do trabalho, as relações no local de trabalho, o empenho do trabalhador, a reputação da empresa, e a produtividade.

Sob o prisma das diferenças, destaca que a violência e o assédio com base no gênero afetam em maior proporção as mulheres, destacando a necessidade de uma abordagem inclusiva, integrada e sensível, que trate das causas subjacentes e dos fatores de risco, incluindo os estereótipos de gênero, a multiplicidade e a intersecção das formas de discriminação. Também trata da violência doméstica e da forma como pode afetar o emprego, a produtividade, a saúde e a segurança no trabalho.

Percebe-se de forma muito clara que houve um alargamento do âmbito de aplicação da Convenção, eis que partiu para um conceito mais amplo do que seria o “mundo do trabalho” e de quem seriam os destinatários da norma de proteção. Neste contexto, pode-se pensar em uma ampliação objetiva e uma ampliação subjetiva do seu alcance.

A ampliação objetiva é extraída do artigo 3º. do documento e contempla o fato de, atualmente, o trabalho nem sempre se desenvolver na estrutura física do tomador dos serviços. Assim, passa a abranger  a violência e o assédio que possam ocorrer nos espaços públicos ou privados; nos locais onde o trabalhador é remunerado, está em repouso, usufrui de suas refeições ou usa instalações sanitárias; durante deslocamentos em viagens para treinamentos, eventos ou atividades sociais relacionadas com o trabalho; através de comunicações relacionadas com o trabalho, incluindo as executadas por meio das tecnologias da informação; no alojamento fornecido pelo empregador e, ainda, durante o trajeto entre o domicílio e o local de trabalho.

Por seu turno, a ampliação subjetiva pode ser extraída do que consta no item 1 do artigo 2º. da Convenção 190 da OIT, que especifica quem são os sujeitos abarcados e protegidos pela norma: os trabalhadores e outras pessoas no mundo do trabalho.

Neste aspecto contempla os trabalhadores assim definidos pela legislação e prática nacional, bem como as pessoas que trabalham independentemente do seu estatuto contratual.

Em outras palavras, a Convenção 190 da OIT deixa bastante claro que ninguém deve ser sujeito a violência e assédio no mundo do trabalho. Protege, assim, os trabalhadores, trabalhadoras, e, também, outras pessoas no mundo do trabalho, incluindo quem labora por conta de outrem; as que trabalham independentemente da sua natureza contratual; as pessoas que estão em formação, em estágio e aprendizes; as que tiveram seu contrato de trabalho rescindido; as que são voluntárias ou candidatas à emprego, e as pessoas que exercem a autoridade, as obrigações ou as responsabilidades de um empregador.

Até o presente momento vinte e três Estados Membros da OIT ratificaram a supracitada Convenção, dentre eles na América do Sul (Uruguai sendo o primeiro a fazer em 12 de junho de 2020; mas também a Argentina; o Equador; Peru) além de, na Europa (Espanha; Grécia; Itália; Reino Unido), além de outros (https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=1000:11300:0::NO:11300:P11300_INSTRUMENT_ID:3999810).

No Brasil a Lei 14.457/2022 trouxe regras a partir do artigo 23 sobre os mesmos temas de assédios e violência no âmbito do trabalho, que entrarão em vigor a partir de 23 de março de 2023, certamente preparando a legislação nacional para futura ratificação.

 

* Janice Bastos

Juíza na 1ª. Vara do Trabalho de Criciúma-SC. Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Contato por e-mail: janice.bastos@trt12.jus.br.

** Marco Antônio César Villatore

Advogado. Professor Universitário na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenador de Pós-Graduações na Academia brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Contato por e-mail: marco.villatore@ufsc.br.

 

 

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Adriane Reis de. Assédio moral organizacional. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, RS, v. 73, n. 2, p. 203-214, abr./jun. 2007. Disponível em:  <encurtador.com.br/irwxJ>. Acesso em: 12 dez. 2022.

CALVO, Adriana. Breves reflexões sobre o conceito de assédio na convenção 190 da OIT. Empório do Direito. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/breves-reflexoes-sobre-o-conceitode-assedio-na-convencao-190-da-oit. Acesso em: 13 dez. 2022.

CATALDI, Maria José Giannella. O stress no meio ambiente de trabalho. 3. ed., São Paulo: LTr, 2015. p. 85.

CONFORTI, Luciana Paula. Desigualdade de gênero e a necessária ratificação da Convenção 190 da OIT. Consultor Jurídico. 2022. Disponível em: ConJur - Luciana Conforti: Desigualdade de gênero e Convenção 190 da OIT. Acesso em: 12 dez. 2022.

DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira; VILATTORE, Marco Antônio César.  O Assédio moral, analisado sob uma perspectiva moderna, determina medidas preventivas inovadoras. Ius Gentium, Curitiba, ano 6, n. 12, p. 125 - 155, jul./dez. 2012.

GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2. ed., São Paulo: LTr, 2004, p. 32.

HIRIGOYEN, Marie France. Assédio Moral – A violência Perversa do cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 3. ed., Rio de Janeiro, 2002.

MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio moral e seus efeitos jurídicos. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Porto Alegre. v. 68. p. 189-195. 2002. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/70732/009_menezes.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 11 dez. 2022.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Internacional do Trabalho, 107ª Sessão, 2018. Relatório V(1): Acabar com a violência e o assédio contra mulheres e homens no mundo do trabalho. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/wcms_725995.pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.

SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça dos; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Convenção 190 da OIT: violência e assédio no mundo do trabalho. Revistas Graduação em Nuvens, v. 6, n.1, p. 142-168, 2019. Disponível em: <encurtador.com.br/mtCGN>. Acesso em: 20 mar. 2022.