Observatory on European Studies - A facilitação da concessão da nacionalidade luxemburguesa e seu impacto no Brasil

2022-11-07

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Aline Beltrame de Moura*

Manuela Thomé da Cruz Bunn**

Luxemburgo, o único grão-ducado do mundo, com pouco mais de 640 mil habitantes, é a nação mais rica do mundo sob o critério do PIB per capita, que chega a 140.694 dólares, segundo a revista Forbes. O país é um dos fundadores da União Europeia (UE) e da Organização das Nações Unidas (ONU) e está geograficamente localizado entre França, Bélgica e Alemanha. Em 2018, Luxemburgo abriu suas portas para que todas as pessoas que tivessem suas origens no país pudessem recuperar a cidadania luxemburguesa por meio de um procedimento mais simplificado, baseado na Lei da Nacionalidade Luxemburguesa, de março de 2017, mais precisamente em seu Artigo 89, como disposto no portal LuxCitizenship. 

Segundo o cônsul-geral de Luxemburgo da época, Jan Eichbaum, em entrevista para a agência ANSA Brasil de notícias, o objetivo é “cadastrar luxemburgueses pelo mundo e com isto mapear os descendentes”. Com esse intuito, o Grão-Ducado liberou uma lista de sobrenomes de origem luxemburguesa mais comuns no Brasil, na qual estavam sobrenomes como Webber, Entringer, Drechsler, May, Schroeder e outros[1].

Segundo dados do Ministério da Justiça luxemburguês, o número de pessoas que adquiriram a sua nacionalidade por meio desse procedimento simplificado mais do que duplicou, passando de 5.306 em 2015 para 11.451 em 2019. Os dados de 2019 apontam que destes, quase 2.500 eram solicitações de franceses e 2.117 de brasileiros. Apenas em 2020, 1886 brasileiros adquiriram a nacionalidade luxemburguesa, dos quais 786, isto é, quase a metade, são do estado de Santa Catarina, como dito pelo Senador Esperidião Amin, em sessão de votação de decreto legislativo de sua relatoria, em 30 de março de 2022.

De fato, o impacto da facilitação da atribuição de nacionalidade luxemburguesa no Brasil é demonstrado pelo expressivo número de brasileiros que passaram a ser nacionais do grão-ducado, colocando o país como o terceiro que mais obteve reconhecimento de nacionalidade por meio desse procedimento extraordinário, totalizando 4.643 no período de 2017 a 2021, ficando atrás apenas da França e Bélgica, que hoje têm, respectivamente, 6.382, 5.103 pedidos deferidos no mesmo período. Com essa facilitação, o Brasil também obteve números muito expressivos se comparado com a Alemanha, que é o terceiro país com mais cidadãos luxemburgueses no mundo (atrás apenas da França e Bélgica), mas que no período da vigência do referido processo obteve apenas 843 pedidos de cidadania deferidos. O Brasil destaca-se também se comparado com outros países latino-americanos, como a Argentina que teve somente 22 pedidos deferidos sob a égide do procedimento extraordinário.

Para a melhor compreensão desses números, é preciso analisá-los no contexto das mudanças na legislação. Desde a Lei de 23 de outubro de 2008, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2009, os descendentes na linha paterna ou materna direta de um ancestral que possuía nacionalidade luxemburguesa em 1 de janeiro de 1900, podem adquirir a nacionalidade luxemburguesa. Com a reforma da Lei da Nacionalidade luxemburguesa, de 1 de abril de 2017, os pedidos aumentaram graças à flexibilização das condições de aquisição da nacionalidade luxemburguesa.

Com relação aos pedidos provenientes de brasileiros, esse aumento foi bastante expressivo. Segundo dados do Ministério da Justiça luxemburguês, entre 2009 e 2016, 212 pedidos de reconhecimento de nacionalidade foram deferidos para brasileiros, enquanto, com a vigência da nova lei, a partir de 2017, 4.643 pedidos foram deferidos. O que representa um aumento em mais de 20 vezes no número de nacionalidades obtidas por brasileiros até 2016. Além disso, é importante ressaltar a relevância do Brasil no “procédure de recouvrement - Art. 89”, visto que representa 20,5% dos 22.677 pedidos totais deferidos até 2021, através desse processo.

Esse processo extraordinário para a obtenção da nacionalidade por ancestralidade é ainda mais simplificado quanto à exigência de certos requisitos formais em comparação com o sistema tradicional, ainda hoje utilizado para a concessão da nacionalidade luxemburguesa.

A “procédure de recouvrement - Art. 89” permite que o descendente na linha paterna ou materna direta de um avô luxemburguês em 1 de janeiro de 1900, em que este ou um dos seus descendentes tenha perdido a nacionalidade luxemburguesa com base em disposições legais anteriores, possa recuperar a nacionalidade luxemburguesa, desde que:

1° apresente o pedido de certificação da qualidade de descendente de avô luxemburguês em 1 de janeiro de 1900 ao Ministro até 31 de dezembro de 2018; e

2° assine a declaração de recuperação da nacionalidade luxemburguesa junto do registo civil até 31 de dezembro de 2020.

Dessa forma, tal processo compreende o cumprimento de duas fases: a primeira consiste na solicitação formal da nacionalidade, prazo que expirou em 31 de dezembro de 2018; e a segunda no pedido de recuperação da nacionalidade, que expiraria em dezembro de 2020, mas em função da pandemia da COVID-19 acabou sendo estendido até dezembro de 2022.

Nesses termos, a primeira fase consistia no envio da solicitação de emissão de nacionalidade juntamente com outros documentos e certidões, tais como certidões de óbito, nascimento e casamento do interessado e de todos os ancestrais de descendência luxemburguesa até o luxemburguês nato, comprovando a genealogia e, consequentemente, a descendência. Além disso, documentos como Atestado de Antecedentes Criminais e documentos de identificação, como RG ou Passaporte também eram necessários. Todos os documentos precisavam ter sido expedidos em no máximo 180 dias e estar acompanhados das respectivas traduções juramentadas.

Dessa etapa resultava o recebimento, em domicílio, do Certificado de Ancestralidade, que representa o reconhecimento do Grão-Ducado de Luxemburgo da ancestralidade do requerente e sua aptidão, até esse momento do processo, para tornar-se nacional luxemburguês.

A segunda fase corresponde ao prazo para assinatura, diante de secretário de Estado, de uma declaração de recuperação da nacionalidade luxemburguesa, cujo prazo foi prolongado para o dia 31 de dezembro de 2022. Portanto, é necessário que o interessado viaje até Luxemburgo para solicitar presencialmente a recuperação de sua nacionalidade, além de ter que apresentar alguns documentos pessoais, como o original do Certificado de Descendência, certidão de nascimento, cópia do passaporte, formulário Notice Biographic (encontrado no site do consulado de Luxemburgo no Brasil) devidamente preenchido e Atestado de Antecedentes Criminais.

O deferimento ou não do pedido, a partir da análise da documentação apresentada, leva em média seis meses. Deferido o pedido, o interessado recebe uma carta do Ministério da Justiça de Luxemburgo, contendo a data em que foi expedida a recuperação da nacionalidade. Com essa carta é possível emitir carteira de identidade e passaporte luxemburgueses em Luxemburgo ou na Embaixada do país no Brasil, localizada em Brasília.

Portanto, atualmente apenas quem iniciou o processo e está à espera da ida a Luxemburgo, até 31 de dezembro de 2022, ainda consegue obter sua nacionalidade através desse plano excepcional do governo. Mas, aqueles que não conseguiram solicitar a tempo ainda podem tentar pelos métodos ordinários, vigentes sem prazo de término.

Considerando que os pedidos com base na lei de "recouvrement article 89" já não podem mais ser realizados, atualmente, os interessados em obter a nacionalidade luxemburguesa podem solicitá-la seguindo os critérios de atribuição previstos nos artigos da Lei de Nacionalidade que não expiraram, isto é, em duas situações: primeiro, por opção e segundo, por naturalização. Em ambas as formas o pedido é feito da mesma maneira que no processo extraordinário, são entregues os documentos solicitados, como certidões de casamento e nascimento, no registro civil da cidade de Luxemburgo para serem analisados. Comprovada a idoneidade e o preenchimento dos pré-requisitos, a cidadania deve ser expedida. A diferença entre essas duas opções está em quem pode solicitar cada uma delas.

Podem solicitar a cidadania luxemburguesa por opção pessoas que se enquadrem em alguma das seguintes situações: adultos quando o seu progenitor, progenitor ou avô adotivo é ou foi luxemburguês; progenitor de um menor luxemburguês, em caso de casamento com um luxemburguês; a partir dos 12 anos, para uma pessoa nascida no Luxemburgo; adultos que tenham completado pelo menos 7 anos de escolaridade no Luxemburgo; adultos que residam legalmente no Luxemburgo há pelo menos 20 anos; adultos que tenham cumprido os compromissos decorrentes do contrato de acolhimento e integração; adultos que residam no Luxemburgo antes dos 18 anos; adultos com status de apátrida, refugiado ou proteção subsidiária; ou tenha sido ou seja soldado voluntário.

Já a cidadania por naturalização pode ser solicitada por pessoas que cumpram um processo mais longo, que inclui residir legalmente em Luxemburgo por, pelo menos, cinco anos, sendo o último ano de residência ininterrupto; ser aprovado no exame de avaliação da língua luxemburguesa; e ter sido aprovado no curso “Viver juntos no Grão-Ducado de Luxemburgo” ou ter sido aprovado em todas as disciplinas presentes no curso.

Apesar de um dos objetivos do processo extraordinário de concessão de nacionalidade ter sido auxiliar no aumento da ainda pequena população do país, fato é que a sua atribuição não garante que o indivíduo que a obtenha decida se transferir à Luxemburgo e lá estabelecer sua residência, muito menos garante que esse mesmo indivíduo não resolva viver em outro país da União Europeia, uma vez que, com a aquisição da nacionalidade luxemburguesa, adquire-se automaticamente a cidadania da União Europeia que lhe permite residir e trabalhar em qualquer um dos seus 27 Estados-membros. 

De qualquer modo, não há como negar que esse processo extraordinário de atribuição da nacionalidade luxemburguesa gerou um impacto importante aos descendentes que se encontram em território brasileiro que, graças a intensa migração europeia principalmente do final do século XIX, podem ter a oportunidade para reaver as suas origens e solicitar a nacionalidade de seus antepassados.

[1] A lista completa pode ser encontrada na página online do Centro Cultural Brasil Luxemburgo (CCBLUX).

 

*Aline Beltrame de Moura

Professora da Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil)

Coordenadora do Jean Monnet Network BRIDGE - Project

 

**Manuela Thomé da Cruz Bunn

Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista de extensão do Latin American Center of European Studies (LACES).

 

 

Referências:

https://noticias.r7.com/internacional/luxemburgo-procura-brasileiros-que-queiram-cidadania-do-pais-19072018

https://www.acinh.com.br/noticia/saiba-quais-sao-os-passos-para-solicitar-a-cidadania-luxemburguesa

http://consuladoluxemburgo.com.br/servicos/cidadania-documentos-a-apresentar-segunda-fase-processo-por-recuperacao-art-89/

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/30/aprovado-acordo-sobre-troca-de-informacoes-entre-brasil-e-luxemburgo

https://mj.gouvernement.lu/fr/actualites.gouvernement%2Bfr%2Bactualites%2Btoutes_actualites%2Bcommuniques%2B2020%2B02-fevrier%2B03-nationalite-luxembourgeoise.html

https://ccblux.com.br/?page_id=623

https://mj.gouvernement.lu/fr/dossiers/2020/nationalite-luxembourgeoise.html

https://forbes.com.br/forbeslife/2022/08/luxemburgo-e-o-pais-mais-rico-do-mundo-brasil-fica-em-92o-lugar/